Nas comemorações do 10 de Junho a equipa de segurança de Cavaco Silva censurou pelo menos um jornalista, fazendo com que apagasse uma foto. Algo que é ilegal.

O problema vagal de Cavaco Silva não foi o único no dia 10 de Junho. Foi talvez o mais falado, mas certamente não foi o único. Há um outro problema, subtilmente ocultado pelas elites do mainstream media, que afecta as profundezas da democracia – ou daquilo que ainda sobra desta.

A função de um jornalista, num estado democrático, é fazer notícias sem censura, fruto de, entre outras, da liberdade conquistada em 1974. Ao que parece, não é esta a opinião que os seguranças de Cavaco Silva têm. No dia 10 de Junho, pelo menos um jornalista foi “obrigado” a apagar uma foto, num acto que pode dar inclusivamente pena de prisão ao infractor.

 

Amadeu Araújo, jornalista freelancer que estava de serviço no local, contou ao Tugaleaks que “estávamos a acompanhar o discurso do presidente quando um camarada me diz que o Cavaco Silva se tinha sentido mal”. Minutos depois, “o presidente é retirado” e estiveram a trabalhar normalmente até que é criada “uma segunda linha de segurança” e “somos encaminhados para uma zona mais afastada onde já de uma forma mais dificultada pudemos ver o que se passava”.
Indica ainda que “vim a saber depois que tinha sido activado um inibidor de telemóvel” embora não tivesse sido afectado e que “há indicação, ouvida, de camaradas de profissão, que me dizem que tiveram que apagar algumas fotografias”. Quanto à pessoa ou pessoas que mandou apagar as fotografias, Amadeu Araújo apenas diz que não sabe quem foi, que “terá que ser alguém de autoridade e inserido no dispositivo de segurança”, notando ainda que um colega desabafou “eu até tive que apagar uma fotografia”.

Esta situação é ainda confirmada pela notícia do Público publicada pouco antes das 11h do 10 de Junho, onde é indicado que “[o]s seguranças impediram qualquer aproximação e mandaram mesmo apagar as fotografias a alguns fotógrafos que estavam mais perto no local onde o Presidente foi assistido”.

 

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O Tugaleaks conseguiu chegar ao contacto com um repórter a quem foi pedido para apagar a foto. E apagou.
O repórter de imagem João Pires do Jornal O Interior contou ao Tugaleaks que “dois seguranças dirigiram-se a mim e pediram para apagar a fotografia porque não queriam que houvesse registo”. O jornalista confessa que “a fotografia não tem nenhum momento que pudesse ser uma fotografia capa de jornal” e que, por isso, a apagou “normalmente”.

Segundo outra fonte no local, os seguranças disseram “essa foto é para apagar” e “essa foto não é para usar” a várias pessoas.

Ao contrário do que se possa pensar, este pedido que parece simples por parte dos seguranças de Cavaco Silva pode muito bem ser ilegal. Segundo o Estatuto do Jornalista, quem “apreender ou danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da actividade jornalística” ou “impedir a entrada ou permanência em locais públicos para fins de cobertura informativa” está sujeito a um ano de prisão. Mas “se for agente ou funcionário do Estado” são dois anos de prisão. Em ambos os casos, descritos no Artigo 19º, a pena pode ser substituída por multa.

O Tugaleaks contactou a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista que remeteu para a próxima semana um comentário face a esta questão, tendo em conta que o secretariado não se reúne esta semana.
O Sindicado dos Jornalistas foi também contactado para obter um comentário mas até ao momento não efectuou qualquer comentário ou declaração pública.

 

Mais estranho é resposta da Presidência da República que esclareceu ao Tugaleaks que “não confirmamos a situação que descreve”. Ainda sobre o estado de saúde de Cavaco Silva, comentaram que “informação clínica prestada por um médico nos momentos seguintes à indisposição do Presidente da República mantém-se válida”.

A jornalista do Público Maria Lopes, embora não tenha visto ninguém a apagar as fotos mas apenas o pedido para apagar, considera que “isto é inadmissível”.

 

A julgar pelo que aconteceu, numa próxima vez a táctica de guerrilha dos tempos modernos é simples: inibir telemóveis e apagar fotografias.

Será esta a melhor atitude num estado de direito democrático?