Nas próximas semanas será inaugurado em Setúbal a Casa da Cultura, um investimento superior a 2 milhões de euros. No entanto existem alguns pontos graves a esclarecer.

 

Projecto da Casa de Cultura em Setúbal adquirido em processo duvidoso e irregular

 

A Casa da Cultura será instalada no edifício onde funcionou o antigo Circulo Cultural de Setúbal (C.C.S.), instituição independente desalinhada com os poderes públicos, fundada, entre outros por José Afonso e Dimas Pereira nos anos 70.
Após o encerramento do C.C.S. a Câmara Municipal de Setúbal adquiriu o imóvel em avançado estado de degradação ao proprietário privado.
Com a aquisição do imóvel a C.M. de Setúbal lançou em 2010 um concurso público ao abrigo do Código dos Contratos Públicos para a aquisição do projecto de arquitectura para a instalação da Casa da Cultura.
O concurso foi lançado nos seguintes termos:

1. O Município de Setúbal fez publicar no D.R. nº43 II série – Parte L no dia 3 de Março de 2010, um anúncio de Concurso Público para a “Aquisição de Projectos de Execução e Assistência Técnica da Casa da Cultura”, com o tipo de contrato: Aquisição de Serviços.
2. Os documentos foram disponibilizados aos interessados através da plataforma electrónica www.compraspublicas.com
3. Após inscrição e descarregamento das peças do procedimento verificou-se da leitura do caderno de encargos, que o programa de elevada complexidade, consistia em síntese, na recuperação, adaptação e refuncionalização de um edifício no centro histórico prevendo-se a instalação de 4 valências: Escola de música; Centro de documentação, Centro de Estudo e Promoção da Canção Popular Portuguesa; Espaço expositivo (Espaço das Artes); Núcleo partilhado, com zona de bar e café concerto, auditório e salas de ensaio, para além de outros espaços acessórios.
4. Verificou-se ainda da leitura atenta do Programa de Procedimento que o mesmo foi iniciado de acordo com o art.º 131 do CCP no formato de concurso público.
5. Na cláusula 9 do referido programa de procedimento é indicado o conjunto de documentos que constituem a proposta, em síntese é pedido o seguinte:
i) Documentos de agrupamento (caso aplicável) e declarações diversas.
ii) Currículos vitae da equipa e cópia da apólice de seguro de responsabilidade civil profissional
iii) “PROJECTO DE ARQUITECTURA, ao nível do estudo prévio, instruído nos termos do disposto na portaria nº701-H/2008, de 29 de Julho”
iv) “PROJECTOS DE ESPECIALIDADES, ao nível de programa base, instruído nos termos do disposto na portaria nº701-H/2008, de 29 de Julho:…” são pedidas soluções ao nível de programa base de TODAS as especialidades.
v) “FOTOGRAFIA DE MAQUETE OU MODELO 3D”
vi) No ponto 4 da cláusula 9 é ainda pedido um conjunto de elementos para além do solicitado na portaria 701-H/2008 de 29 de Julho, de modo a completarem o Estudo Prévio de Arquitectura, como desenhos rigorosos de plantas, cortes e alçados á escala 1-100, encarnados e amarelos, fotomontagens da proposta e cálculos justificativos da proposta de fundações e estrutura.
vii) É ainda exigido, aos técnicos, no caderno de encargos experiência relevante neste tipo de projecto.
viii) Não é permitida a audiência de interessados neste concurso.

6. O prazo para entrega dos elementos que constituem a proposta, conforme o anúncio é o mínimo previsto na lei, 9 dias.

A forma como o concurso foi lançado gerou de imediato reacções dos possíveis interessados em participar suscitando inclusive comentários de Arquitectos Portugueses reconhecidos, caso de Alcino Soutinho, que confirmavam o sentimento geral, que se passa a transcrever:

Exmos. Senhores:
Face ao curto prazo de entrega do presente concurso (9 dias) em que é exigido um estudo prévio de arquitectura e um programa base para todas as especialidades, maquetes ou imagens 3D, solicitava a informação do concorrente que já elaborou o projecto e irá, obviamente, vencer este simulacro de concurso.
Com os meus melhores cumprimentos
ASOUTINHO ARQUITECTOS, LDA

 

De facto, o modelo do concurso a adoptar deveria ter sido o do Concurso de Concepção de acordo com o Artº219 do CCP, uma vez que são pedidos estudos prévios ao nível da arquitectura e das especialidades. Obviamente esta forma de concurso implica prazos mais dilatados e uma forma de avaliação muito mais exigente.

Não obstante a evidência concurso teve mesmo um vencedor, dos dois concorrentes que entregaram proposta, o Arquitecto Gonçalo Miguel Neves Silva. Em 9 dias, fez “estudos prévnios” e entregou “fotografia ou maquete 3D”, algo que é bastante rápido para apenas 9 dias.

O resultado do Concurso foi confirmado pelos serviços de concursos e empreitadas da C.M. de Setúbal que por via telefónica, confidenciaram que eles próprios acharam o concurso estranho, no entanto esse mesmo serviço apenas fez o que lhe foi pedido, colocar o procedimento a concurso nos termos descritos anteriormente.

Perante esta posição da C.M. de Setúbal, o Arquitecto vencedor do concurso foi alvo de uma queixa no Conselho Regional de Disciplina pela violação dos regulamentos de ética e deontologia. A prática profissional da Arquitectura não se coaduna com prazos de nove dias para desenvolvimento de projectos definidos com o rigor expectável de um ‘Estudo Prévio’. Por muito menos, o Serviço de Concursos da Ordem dos Arquitetos  já tinha considerado outros concursos inaceitáveis, alertando para as sanções disciplinares decorrentes da participação dos seus membros em concursos deste ‘calibre’.

Ao vencer este concurso nas condições atrás descritas, o Arquitecto Gonçalo Neves da Silva revelou indícios de relações de promiscuidade e pouco claras com a entidade adjudicante, totalmente incompatíveis com a prática séria e profissional da Arquitectura, demonstrando falta de dignidade para com os colegas de profissão como admitiu a equipa jurídica que analisou o processo na Ordem dos Arquitectos.
Confirmando a crescente perda de poderes de regulação das profissões que tutelam de que as ordens profissionais têm sido alvo, ao Conselho Regional de Disciplina impotente financeiramente para recorrer aos tribunais.

 

Município de Setúbal permanece calado

Os contactos do Tugaleaks para esta entidade com possível ligação ao arquiteto citado, resultaram em nada. Foi enviado um e-mail ao Gabinete da Presidência e à Divisão de Comunicação e Imagem. Foram tambśm feitos telefonemas onde durante 3 dias e em várias horas os respectivos deparetamento nunca atendiam o telefone.

 

Este é só mais um exemplo de como os tachos para os “boys” municipais estão na ordem do dia, em plena crise. E tudo a ser pago pelo cidadão.

 

 

Denunciado por A. Silva