Professores universitários podem viajar para o Brasil e serem pagos a peso de ouro. Os cursos têm fortes críticas no Brasil e alguns não chegaram a ser iniciados.

A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), celebrou dois protocolos com as Escolas da Magistratura do Rio Grande do Sul e de Pernambuco, no Brasil, para a Faculdade de Direito de Lisboa oferecer lá Mestrados. As Escolas da Magistratura no Brasil são os centros de formação dos Tribunais dos Estados, destinados não só à formação contínuo dos juízes mas também a advogados e outros interessados, mas que não realizam formações conducentes a Graus académicos. No entanto, por duas vezes, em 2012 e 2013, a entidade reguladora e que acredita os Cursos Superiores no Brasil (CAPES) teceu duras críticas aos protocolos, apelidando-os de ilegais.

 

Professores universitários portugueses vão para o Brasil leccionar a preço de ouro

 

Na Nota Técnica nº 1/2012 (ficheiro .doc) de 17 de Fevereiro de 2012 que analisa o protocolo que iria ser celebrado entre a Escola da Magistratura do Estado de Pernambuco e a FDUL, é dado a conhecer o “em total desacordo com a legislação que rege o ensino da pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) oferecido por instituições estrangeiras em solo brasileiro”. No relatório é dado a conhecer também da “inobservância das exigências legais elencadas do mencionado acordo, alertando para as conseqüências jurídicas do descumprimento da legislação federal que trata da matéria, de forma especial àquelas relativamente à revalidação de tais títulos no Brasil”.

Cerca de um ano mais tarde, foi emitida nova Nota Técnica, nº 1/2013 (ficheiro .pdf)  de 14 de Março de 2013. Nesta nota, é dado a conhecer praticamente o mesmo desrespeito pelas leis do Brasil mas agora com a Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul, pois a Escola de Magistratura de Pernambuco já não era opção. O relatório vai mais longe que o anterior e afirma que “a pela segunda vez (…) celebre acordo a envolver formação de excelência de seus membros no nível de mestrado em inteira desconformidade da legislação vigente”, deixando também um recado para a FDUL e para o Professor Sampaio da Nóvoa, “[s]urpreende, igualmente, que a Direção da prestigiada e fraterna parceira da ciência jurídica brasileira, a Universidade de Lisboa, não tenha tomado, até o momento, decisão inibidora de tão negativa atuação no Brasil de sua Faculdade de Direito.”

 

FDUL diz que relatório é prematuro

O Tugaleaks contactou o Prof. Fernando Araújo, presidente do Instituto do Direito Brasileiro da FDUL. Sobre a segunda Nota Técnica (2013), afirma ainda que “[o] protocolo com a Escola do Rio Grande do Sul não foi celebrado, pelo que a nota técnica foi prematura e ficou sem objecto”.
Já a A3ES – Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior – afirma, através do Presidente do Conselho de Administração, Alberto M. S. C. Amaral, que “[a] A3ES não faz acreditação de parcerias de instituições portuguesas com instituições estrangeiras sem que exista um protocolo entre os dois países que permita a intervenção da Agência no país onde tenha lugar a respectiva formação” e que “não existe na nossa base de dados qualquer curso registado nessas condições, o que significa que o referido curso não está acreditado pela A3ES“. Sublinha ainda que “o seu eventual funcionamento no Brasil, desde que ofereça diplomas brasileiros (e não portugueses) dependerá exclusivamente da autorização das autoridades brasileiras”.

Um facto importante a assinalar é que o Prof. Fernando Araújo é também avaliador da E3ES, no entanto, garantindo tanto pela E3ES como pelo próprio que não avalia as suas próprias actividades.

Fica a questão: como é que a FDUL tentou fazer dois protocolos, com duas Escola de Magistratura diferentes, tendo o segundo sido feito depois da primeira Nota Técnica a declará-lo ilegal e avançou com uma segunda tentativa numa escola diferente mas nos mesmos moldes? Até agora, ninguém nos soube responder.

 

Onde está o esquema?

Uma fonte ligada ao ensino superior informou ao Tugaleaks o esquema usado:
“Professores universitários portugueses iam para o Brasil, pagos a peso de ouro. As Universidades brasileiras dão-se conta que estavam a ser ‘comidas por parvas’ e a agência brasileira intervém.
Depois, informalmente, bloqueiam o Ciência Sem Fronteiras para Portugal”.

A nossa fonte também teceu críticas ao Prof. Fernando Araújo, afirmando que “como é que alguém metido, em tais esquemas [os protocolos denunciados por não respeitarem a legislação brasileira] pode andar a avaliar outros Cursos, mesmo não na Universidade de Lisboa?”

 

Embaixada não responde

O Tugaleaks tentou contactar a Embaixada do Brasil durante quase uma semana. Não só tentámos contactar o embaixador como o diplomata responsável pela educação. Da Embaixada recebemos apenas a informação por telefone que “o diplomada não esta e está de férias até ao inicio de Julho” e que aparentemente mais ninguém na sua ausência pode dar uma resposta a esta situação. No entanto, uma outra fonte, ligada à vinda de estudantes brasileiros para Portugal, disse-nos “provável ser esse o verdadeiro motivo para que o Ciência sem Fronteiras tenha sido cancelado”.

A verdade é que, apesar da Nota Técnica de 2012, um “Mestrado Acadêmico” já está a funcionar segundo o site da Escola Superior de Magistratura de Pernambuco. Tal como a nossa fonte afirmou e tal como está indicado no site, “O Acordo de Cooperação permite que os professores portugueses venham ao Brasil para ministrar os dois cursos, com previsão de duração de dois anos”.

 

Professores universitários portugueses vão para o Brasil leccionar a preço de ouro

 

Entretanto o Ciência sem Fronteiras, que trazia dezenas se não centenas de alunos todos os anos, foi “não oficialmente” terminado. Ambas as fontes contactadas pelo Tugaleask afirmam que o profundo mal-estar da CAPES, que também intervém na atribuição de bolsas, pelas iniciativas da FDUL estará na origem desta suspensão, sendo o afirmado interesse do Brasil em que os estudantes passem a dominar outras línguas um simples pretexto, como até resulta da edição do Expresso de ontem, dia 22 de junho.

 

“Mestrado” pode não valer para nada

Uma outra fonte do Brasil afirmou ainda que é mais do que provável terem os envolvidos que vir a indemnizar os alunos de tais “Mestrados Acadêmicos”, nos termos do Código de Defesa do Consumidor brasileiro. Como os mesmos não estão acreditados no Brasil pela CAPES, nem em Portugal pela A3ES, únicas entidades que podem autorizar a atribuição de Graus, não são “Mestrados” e os seus alunos não poderão vir a ser “Mestres”, nem no Brasil nem em Portugal, mesmo depois de pagarem milhares de reais por tais formações.