Trocar sementes de mão pode vir a ser crime. Empresas como a Monsanto, com enormes lucros, serão as que mais vão ganhar.

 

 

UE quer controlo sobre a patente das sementes e tornar ilegal as sementes não registadas

 
Os Comissários Europeus aprovaram recentemente uma lei nociva para todos os Europeus ou mesmo todo o mundo. O controlo excessivo das sementes, a base da nossa alimentação, poderá por em causa a nossa forma de vida.
Há pouco mais de uma semana, Luís Alves, da empresa Cantinho das Aromáticas, falou à RTP2 sobre esta situação num vídeo que se tornou viral pelas redes sociais:

No entanto, o Tugaleaks quis saber mais, e fomos mais fundo nas questões, envolvendo e citando empresas como a Monsanto, que é uma das mais poderosas do mundo.

 

Ver o documento completo da UE sobre a lei

 

 

De que forma é Portugal afetado?

A nova lei das sementes, aprovada pelos comissários europeus, e apesar de ter tido em conta algumas derrogações, é uma ameaça à agro-biodiversidade, à pequena e média agricultura local, dando poder absoluto à comissão europeia para abolir derrogações ou estabelecer novos limites quando bem entender. Criará enormes obstáculos à preservação de espécies e variedades, abrindo caminho ao agro-negócio gerido pelas gigantescas corporações, que pretendem a normalização e o estabelecimento de regras de propriedade intelectual sobre estas sementes. Portugal tem neste caso uma enorme responsabilidade histórica, fomos nós que globalizámos boa parte de todas as plantas que são hoje utilizadas pela humanidade. Hoje, estas plantas e as suas sementes, de polinização aberta, são de todos. Deveríamos por isso ter um papel activo na defesa de um dos últimos bastiões de igualdade, de proporcionalidade, de liberdade individual. Se nos retiram as sementes, a seguir será a água, depois a Terra, depois só nos resta a escravatura e mais uma idade das trevas. Sou agricultor e jardineiro, há mais de 15 anos que produzo as minhas próprias sementes, tal como os meus antepassados. Tenho em produção centenas de espécies de plantas, algumas das quais fomos melhorando através de selecção massal, ou seja, escolhendo ao longo do tempo os indivíduos mais fortes e mais aptos. Estas sementes são regularmente trocadas com inúmeras pessoas e instituições. Aquilo que sou hoje seria impossível sem que esta troca existisse.

 

Tem alguma estimativa da quantidade de agricultores e pessoas que ficarão afetadas?

De uma forma geral, seremos todos afectados, porque assistiremos à extinção em massa de inúmeras espécies alimentares que demoramos séculos a apurar. Tudo porque se pretende a normalização destas espécies e, claro está, deter propriedade intelectual sobre as mesmas. Os problemas de fome e miséria que estas grandes empresas usam como “argumento forte” para defenderem os seus interesses nunca se resolverão homogeneizando as sementes, afunilando a biodiversidade alimentar, há outros caminhos, que talvez por não valerem dinheiro, optámos por não seguir. Combater o desperdício alimentar tem que ser uma prioridade para os seres humanos, produzir alimentos localmente e de forma sustentável também. As contas de cultura deveriam incluir o custo ambiental de produção de determinado produto agrícola, os consumidores deveriam poder conhecer este valor antes de tomar a decisão de comprar.

 

Quem está por detrás desta lei? Desconfia de empresas como Monsanto, cujo objectivo é o lucro, para tentarem fazer esta lei passar?

Este tipo de empresas são das mais poderosas à face do Planeta. Quem detiver propriedade intelectual das espécies que necessitamos todos para sobreviver controla um mercado de biliões de dólares. Não tenho quaisquer dúvidas que este tipo de medidas visa seguir uma agenda escrupulosamente organizada por estas empresas, para caminhar neste sentido. De certa forma, o que mais surpreende aqui é a escala a que isto está a ser feito, uma consequência óbvia da globalização. Mas não é nada de novo na história da humanidade.

 

Ainda há hipótese disto ser apenas mais um projeto falhado. Como é que Portugal e os portugueses podem ajudar?

Vejo este tipo de propostas como algo incrivelmente perverso e às quais quem se preocupa com a biodiversidade, com a história, com as raízes, com os novos modelos de agricultura, não pode ficar indiferente. E já agora, falar menos de sustentabilidade e practicar mais sustentabilidade é urgente. E aqui refiro-me, está claro, a todos nós. Assistimos a um momento em que a indignação é confortavelmente simples, as pessoas indignam-se porque tem acesso à informação, a várias causas, mas não deixam de o fazer no conforto do seu sofá. Uma das melhores formas de ajudarmos é na altura em que decidimos comprar. Quando viajamos um pouco por esse Mundo fora e estamos atentos aos inúmeros mercados de rua, percebemos a importância cultural que cada povo atribui às suas variedades tradicionais de frutas, legumes, etc. Assumindo esta identidade cultural diariamente, podemos exigir do mercado que este nos entregue com maior regularidade as nossas prórias variedades de feijão, tomate, maçã, etc. Ajudaria e de que maneira!!!

Adoptar um agricultor local é uma medida defendida por milhares de organizações e consumidores a nível mundial, que defendem que ao proteger a agricultura local, estão a contribuir para a preservação da actividade, ajudando a tornar mais eficiente o papel do agricultor e, por consequência, a proteger as variedades que este produz. É apenas mais uma boa ideia, posta em prática por esse mundo fora, que protege os agricultores e as suas sementes, mas como tantas, demorará a vingar por cá… não acredito no entanto que a sócio/histórico/cultural resistência do agricultor à mudança se verifique, a maior parte dos que conheço são pessoas informadas e inteligentes, certamente encontrarão nesta e noutras ideias uma forma progressista de fazer o Mundo avançar!!!

Trabalhar activamente com instituições que se dedicam à protecção das sementes, como a GAIABanco Português de Germoplasma Vegetal, Colher para Semear e Aqui há planta.

 

Teme que, com o passar dos anos e as teorias da “nova ordem mundial”, existam outras formas de tentar controlar a alimentação e o processo de criaçao de plantas e alimentos à escala europeia ou mundial?

Temo. Muito. A pior era de escuridão da história da humanidade, a da escravatura total, feita de escassez de recursos, construída de malvadez, de avidez, de incúria, de perfídia… Mas ainda assim acredito na condição humana, construída de luz, de amor e paixão. Viver da Terra tem sido a minha forma de manifestar activismo e encontrar um verdadeiro caminho de sustentabilidade em direcção ao futuro. Tem sido a forma que tantos outros encontram para fazer o mesmo. Espero poder fazer parte de um grupo de milhões de cidadãos do Planeta que em breve se juntem a esta causa, “guerreiros do verde”, que possam ajudar a travar a escalada do nível de entropia a que temos sujeitado o Planeta, do qual somos apenas hóspedes, e a construir, de raíz, um admirável Mundo Novo.

 

E o leitor, o que pensa que vai acontecer com esta lei?